José Carlos Barbosa

José Carlos Barbosa é Presidente da Comissão Política do PS Paredes. Ferroviário de profissão, é um dos grandes mentores da linha do Vale do Sousa, um projeto sonhado pelos autarcas da região para melhorar a competitividade e acessibilidades do território.

Em entrevista ao IMEDIATO, o ferroviário falou sobre o nascimento da ideia da Linha do Vale do Sousa, o recente estudo feito por cidadãos para a implementação de uma linha ferroviária de alta velocidade com passagem por Paços de Ferreira, e sobre como novas linhas podem trazer “justiça” à região.

Qual é o ponto da situação da Linha do Vale do Sousa?

Talvez seja melhor começar do início. Este projeto começou a ser delineado depois de uma conversa entre mim e o Humberto Brito, Presidente da Camara de Paços Ferreira, sobre a possibilidade de fazer uma linha até Paços de Ferreira. Envolvemos a Associação Comboios XXI, uma associação que se dedica à promoção da melhoria do serviço público de transporte ferroviário a nível local, regional e nacional. Assim, convencemos o António Alves e Hugo Leandro, maquinistas da CP, que além de ferroviários apaixonados tem ao longo da sua vida apresentado proposta válidas para melhoria do sistema ferroviário nacional.

O primeiro estudo preliminar que associação Comboios XXI divulgou apresentava uma proposta de traçado até Paços de Ferreira. Achamos aquilo demasiado redutor, mais parecia um pequeno ramal. Decidimos então apresentar uma proposta até Felgueiras.

Coube ao Humberto Brito colocar na agenda política a linha e dar a cara pelo projeto. E fê-lo acompanhado pelos 4 autarcas onde passa a Linha, José Manuel Ribeiro, Valongo, Alexandre Almeida, Paredes, Pedro Machado, Lousada, Nuno Felgueiras. Neste momento é um projeto apoiado por todos os Municípios da Associação de Municípios do Vale do Sousa e da CIM Tâmega e Sousa.

O que já foi feito e o que falta fazer?

Em primeiro lugar foi efetuada uma conferência no dia 10 de Dezembro de 2018, com o tema  “A MOBILIDADE COMO FATOR DE COESÃO TERRITORIAL” para apresentação da proposta da associação Comboios XXI da Linha do Vale do Sousa, onde as cinco  Câmaras envolvidas pediram ao Governo que apoie nova linha férrea no Vale do Sousa. Este evento contou com a presença do antigo secretário de Estado das Infraestrutura, Guilherme d’Oliveira Martins, antigo Presidente da CP, Carlos Nogueira, Vice-Presidente da IP, Carlos Fernandes, entre outros especialistas. Aí foi possível concluir que todos concordavam com a pertinência desde projeto e que iria revolucionar a mobilidade em toda a região.

Além do projecto apresentado pela associação de comboios XXI, foi efetuado estudo pela TRENMO, liderado pelo Professor Álvaro Costa. Destaco apenas uma pequena parte das conclusões do estudo onde percebemos claramente que esta linha tem viabilidade: “O objetivo central desta estratégia passa por assegurar uma mobilidade facilitada tanto nos fluxos internos como na ligação até ao Porto, reforçando o papel do serviço ferroviário da CIM do Tâmega e Sousa. Este serviço contribui assim para o reforço da competitividade regional, facilitando as trocas de pessoas e mercadorias com o Vale do Sousa, território que apresenta uma vitalidade económica elevada no contexto nacional. A conexão do Porto ao eixo do Vale do Sousa vem reforçar um sistema polinucleado e dinâmicas regionais pré-existentes.”

Há poucos meses foi assinado o protocolo para a realização dos estudos de avaliação preliminar da viabilidade da Linha do Vale do Sousa. Este protocolo envolve a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa (CIM do Tâmega e Sousa), a Infraestruturas de Portugal (IP), a Área Metropolitana do Porto e as câmaras de Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira, Paredes e Valongo.

Pelo que consegui apurar não foi concluída a estabilização da diretriz do traçado, sem a qual não é possível determinar os tempos de viagem, definir os cenários para o Estudo de Procura e elaborar as estimativas de investimento para se fazer a Análise Custo-Benefício e confirmar a viabilidade económica do projeto. Até porque a viabilidade social e a importância para um território que atravessa cerca de meio milhão de pessoas é por demais evidente.

Um conselho que dou aos autarcas de região é que coloquem sempre de parte as soluções de BRT- Bus Rapid Transit ou LRT Light rail transit. Primeiro porque obrigam a transbordo em Valongo e como sabemos a necessidade de transbordos é um dos problemas mais estudados na mobilidade provocando o aumento do tempo de viagem para não falar das questões de comodidade na viagem. Qualquer solução deste tipo mergulhariam a região numa espécie de ilha com sistema de mobilidade diferente da restante rede, que tem o comboio pesado! Além disso a capacidade de transporte desse tipo de sistemas não é comparável com o comboio tradicional e não têm tido grande sucesso pelo mundo fora em situações de transporte suburbano, como é o caso. Nós temos que ter uma ideia de rede, um sistema integrado e não parti-lo em fragmentos que são dificilmente conciliáveis e provocam desconforto ou incómodo aos passageiros, seja através de transbordos, seja em tempos de viagem.

Parece haver neste país um certo fascínio com BRTs e LRTs. São sistemas que tem a sua utilidade eventualmente, mas não em territórios onde temos que transportar tanta gente e de forma rápida. Não queremos cometer o erro de Coimbra. Parece, por vezes que há um preconceito contra a ferrovia convencional quando essa é a solução óbvia.

Sabemos bem do centralismo do país, sabemos bem que este projeto devia ter saído das instituições responsáveis pelo planeamento da mobilidade no nosso território. Infelizmente não o foi, caberá a cada um de nós, enquanto habitantes de uma das regiões com maior capacidade industrial do país, mas mesmo assim uma das mais pobres, defender este projeto que irá revolucionar a mobilidade de toda uma região. É uma questão de justiça social e o transporte ferroviário tem um papel determinante nesse campo. E nunca se esqueça que a mobilidade está associada à construção de uma sociedade mais justa dando soluções aos habitantes desta região de estudarem e trabalharem noutros locais que lhe garantem mais oportunidades, aproveitando o baixo valor do passe único.

Este é um projeto defendido por todos os autarcas da região. É um projeto âncora para a região?

Trata-se de um projeto estruturante para a região e alinhado na política europeia de transportes que atribui à ferrovia a espinha dorsal de todo o sistema de transportes, sendo essencial para atingir as metas da neutralidade carbónica.

Por outro lado, reforça a malha ferroviária do Grande Porto e atravessa uma das zonas do país com grande densidade populacional e com uma oferta pouco diversificada e mesmo ineficiente de transportes. O comboio pode trazer a justiça a esta região.

É um projeto que atravessa todos os quadrantes políticos. Pode ser um garante da sua concretização?

Um, projeto ferroviário, quer pela dimensão e atravessamento de diferentes concelhos, quer pelo tempo de construção, necessita de um consenso alargado entre todos os quadrantes políticos, sem o qual será difícil a respetiva concretização. Há claramente vontade política de todos os partidos, eu diria que há consenso generalizado. A pouca voz discordante não tem argumentos técnicos para contrariar o projeto, só fazem pelo mero combate autárquico com objetivo de captar alguma atenções nas redes sociais. O que eu estranho por vezes é que essas, poucas vozes, até surgem de empresas tuteladas politicamente que até já deram o aval ao projeto e o consideraram essencial.

Que timings estão projetados para o avanço do processo até à decisão final?

Se lhe disser que nos últimos 20 anos foram construídos mais de 2000km de rede de alta velocidade em Espanha, vai perceber que construir uma linha convencional de velocidades até 140km/h, com 38 km em 10 anos não será demasiado ambicioso. Mas podemos fazer isto por fases, a primeira fase que iniciou em finais de 2018, que foi o debate político em torno da proposta já está fechada, ou seja, há consenso político na construção da Linha. A segunda fase agora em curso não deve demorar mais de 2 anos (Análise Custo-Benefício, para confirmar a viabilidade económica e social do projeto), depois deverá existir o debate político que irá decidir a construção ou não da linha, e por último entre projeto e construção mais 6 anos, em suma 8 anos para colocar os comboios na Linha do Vale do Sousa, seria o desejável, mais do que isso é manifesta falta de vontade. Note-se que neste momento já deveríamos ter um traçado para começar a pensar nos restantes aspetos e esse processo está inexplicavelmente atrasado.

Quando pode ser uma realidade?

Havendo vontade política dos governos, em 2030 o comboio pode chegar a Felgueiras. Mas temos que pressionar para que as decisões e os processos sejam mais rápidos. Se assim não fosse na rodovia, não tínhamos construído 3000 km de autoestradas em 30 anos.

Outros projetos e estudos estão a ser desenvolvidos no âmbito da ferrovia. Como poderão integrar esta linha do Vale do Sousa?

O projeto em causa será a linha de AV de Trás-os-Montes, a qual será complementar, uma vez que alimentará a linha do Vale do Sousa e vice-versa. Esse projeto, que saiu da sociedade civil e foi desenvolvido em tempo recorde, considerou a possibilidade de uma estação conjunto entre a Linha do Vale do Sousa e a AV de Trás-os-Montes. Naturalmente são contextos diferentes para mercados diferentes e que fazem todo o sentido serem ancorados em Paços de Ferreira, conforme propõe os autores da AV de Trás-os-Montes.

Em que medida constitui uma mais-valia para as comunidades?

Uma ferrovia de proximidade é estruturante para as comunidades servidas, potenciando a mobilidade de pessoas e bens e aumenta a mobilidade.  A vantagem do caminho-de-ferro é que, desde que devidamente planeado, promove uma reorganização e hierarquização do transporte regional (traduzindo-se numa integração funcional), como por exemplo sucede nas linhas de urbanas de Lisboa, onde os transportes rodoviários se dedicam a “alimentar” o caminho-de-ferro, ao invés de competirem com o mesmo. Podia estar aqui a entrevista toda a falar da mais-valia para comunidades, deixo-lhe algumas: abre a porta a verdadeira coesão territorial e social, cria oportunidades aos jovens para estudar e trabalhar fora de região, cria oportunidades às empresas da região para contratar os melhores especialistas que hoje de recusam a trabalhar na nossa região por falta de mobilidade. Depois temos as questões ambientais duma via ferroviária poderão gerar um benefício ambiental substancialmente positivo, estamos a falar de comboios elétricos, somos produtores de eletricidade, mas não temos petróleo, logo reduzimos a nossa dependência energética. Para ter uma noção dos carros que pode tirar da estrada, um comboio dos urbanos do Porto (UME3400) pode transportar até 700 pessoas, entre Paredes e Porto circulam 36 comboios urbanos todos os dias que dá uma capacidade para transportar até 25 200 pessoas em unidade simples, se for em múltipla temos o dobro ou seja 50 400. Já percebeu quantos carros pode tirar da estrada?

Qual os resultados das avaliações da viabilidade e adequabilidade da linha que têm sido efetuadas e a questão dos custos?

Ainda não há um estudo técnico detalhado com os custos reais do projecto, mas se fizermos Benchmarking de alguns casos europeus, verificamos que cada km de rede custa entre 2 Milhões e 10 Milhões, ou seja na pior das hipóteses para os 38km teríamos um valor global de 380 Milhões de Euros, isto sem o detalhe das obras de arte. Depois há quem fale das dificuldades associadas à orografia do território. Se me permite deixo-lhe um exemplo que é a Dolomitenbahn, uma linha regional proposta para a expansão da rede ferroviária do Tirol do Sul, Itália, a construção dos 83 km da nova ligação regional está avaliada em 1.6 mil milhões de euros, valor justificado pela zona montanhosa. Para os primeiros 43,4 km entre Bolzano e Plan de Gralba, o investimento é de 900 provavelmente devido à exigência e sinuosidade do traçado; o troço seguinte de 17,6 km entre Plan de Gralba e San Ciascian está avaliado em 300 Milhões; o troço final de 22km entre San Ciascian e Cortina está orçamentado em 400 Milhões. Tendo em conta os valores apresentados (sobretudo dos últimos dois troços, inclusive somando ambos) de uma linha a construir em plena cadeia montanhosa das Dolomites, que é parte da cordilheira montanhosa dos Alpes e que no pico mais alto atinge os 3340 metros de altitude, a estimativa de investimento para a linha do Vale do Sousa, quando comparado com o caso de estudo “hardcore”  Dolomitenbahn, está enquadrado nos 380 Milhões de Euros que lhe falei e também na viabilidade técnica do projeto apesar da orografia da nossa linha.

Por último, de acordo com o estudo elaborado pela TRENMO, a linha do Vale do Sousa, incluindo a reabertura do Tâmega até Amarante são viáveis economicamente o investimento rondará os 220 a 240 M€. Os valores que falo são indicativos, temos de aguardar pela finalização dos estudos da IP. O que sabemos é que há fundos europeus para a construção de novas linhas o custo real para o país poderá ser inferior a 50 Milhões de Euros. Já viu o que seria revolucionar a mobilidade da nossa região por um valor tão baixo.

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