Cultura / Artista

Diz-se que Portugal é um país de poetas, com este género literário inscrito no nosso ADN ao longo de vários séculos. E todos acreditamos, orgulhamo-nos até de o dizer, porque além de nos dar uma certa altivez intelectual enquanto povo, carrega em si o peso histórico de todos os grandes nomes da lírica nacional. Mas como podemos ser um país de poetas, se lemos tão pouca poesia?

O Dia Mundial da Poesia, a 21 de março, que o Mundo comemora desde 2000 e Portugal desde 2002, traz consigo um conjunto imenso de atividades e iniciativas orientadas para a divulgação dos grandes nomes da poesia nacional e mundial, com um estímulo à compra e leitura deste género literário. No entanto, agora que temos as livrarias finalmente abertas, se dermos uma volta, quase não encontramos livros de poesia. No país dos poetas, a poesia vende-se mal e há poucas editoras a apostar na sua edição. As vendas que ainda mantém o mercado ativo devem-se, em parte, ao tipo de obras que estão a editar-se, nomeadamente obras completas de grandes autores clássicos.

Admitamos que a poesia não é o género literário mais fácil de se ler, muito menos tem como único objetivo o entretenimento, como a grande maioria dos romances e policiais best-sellers. No entanto, permite um conjunto de experiências únicas e relaxantes que podem contribuir para, por momentos, suspendermos o ritmo frenético das nossas vidas.

Ler poesia exige silêncio, concentração e uma abstração do mundo real difícil de conseguir na era da tecnologia e do acontecimento ao minuto. No entanto, como símbolo máximo da elevação da linguagem humana, a poesia é criadora de experiências intelectuais e estéticas profundas e únicas. Saber da história da Humanidade é ler a poesia escrita ao longo dos séculos e que acompanha a jornada humana no universo. Por vezes, a única capaz de traduzir as nossas emoções e sonhos, o grito de liberdade e esperança. Não é por acaso que, durante a ditadura em Portugal, se escreveram dos poemas mais sublimes sobre liberdade, amor e esperança, com vários poetas censurados e presos, porque as palavras eram uma arma que resistia contra a opressão. Também não é por acaso que, aos grandes romances de amor, estão associados magníficos sonetos, ou às grandes conquistas humanas estão textos poéticos epopeicos, como a Odisseia de Homero ou os Lusíadas de Luís de Camões.

Então, se a poesia reúne em si esta capacidade de nos elevar na Humanidade, como se justifica a sua tão escassa leitura?

Entre as várias razões, destaco o facto de sermos um país com níveis de literacia muito baixos e com uma educação que cria medo de ler poesia junto dos mais jovens. O modo como este género literário é explorado na escola, num ponto de vista puramente académico e analítico, impede que nele se explore a essência da abstração e liberdade de interpretação. Os alunos são formatados a saber explorar a métrica, a rima, o ritmo…sem que lhes seja ensinado o saber ler e traduzir aquele texto aos olhos do momento que está a viver na sua vida. A partir do momento que o poeta escreve um poema, ele deixa de ser seu e passa a ser do mundo. Por isso, deve ser interpretado à luz da realidade de quem o lê e não assente apenas nas emoções traduzidas pelo poeta. Assim, como posso eu tornar-me um leitor de poesia se me sinto formatado a fazer uma exploração “científica” do texto, sem liberdade de projetar as minhas emoções e memórias naquelas palavras? Talvez seja esta uma das principais razões para sermos o país dos poetas que lê tão pouca poesia.

Contudo, não deve ser este o motivo para desistirmos de consumir poesia e de dar à nossa vida a liberdade e a beleza que ela nos pode trazer. Por isso, nestas comemorações do Dia Mundial da Poesia, faço um convite à experiência poética. Recorrendo às palavras da poetisa Sophia de Mello Breyner, lemos, em silêncio, este pequeno poema:

AUSÊNCIA

Num deserto sem água

Numa noite sem lua

Num país sem nome

Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero

Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

 

Agora, no silêncio ou com uma suave música de fundo, lemos em voz alta, pausadamente, sentindo o sabor de cada palavra dita. Fiquemos em silêncio uns segundos a meditar no que acabamos de ler e em como estas palavras refletem emoções que já vivemos na nossa vida. Repetimos a leitura, exprimindo essas emoções vividas através de cada palavra. Não importa a métrica, a rima, o ritmo… importam, simplesmente, as palavras! Podemos, no final, gravar a nossa leitura para ouvir mais tarde ou para partilhar com alguém, comemorando, assim, este Dia Mundial da Poesia.

Porque, um poema por dia, nem sabe o bem que lhe fazia!

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