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A minha filha Joana decidiu tirar carta de condução e ao cabo das primeiras aulas de código começaram a emergir um conjunto de angústias, tal o aparente desajustamento do conhecimento que é proposto no programa, por parecer absurdo e completamente desadequado ao simples propósito de fazer deslocar um veículo do ponto A ao ponto B. Superada esta fase, iniciaram-se as aulas de condução, a fase da aprendizagem mais funcional de colocar o veículo em movimento. Esta etapa é cabo dos trabalhos, tal a infinidade de coisas que precisamos dominar ao mesmo tempo, as mãos, os pés, escutar motor, observar espaço circundante, interpretar a sinalização, perceber as movimentações várias que ocorrem nesse preciso momento e condicionam o nosso simples tirar o pé do pedal do travão, pisar com delicadeza o pedal do acelerador e largar com leveza o pé da embraiagem. E essa é outra, três pedais para dois pés!? Impossível!

Este doloroso processo pelo qual a Joana passou nos últimos meses, fez-me recordar uma explicação que sempre me permitiu por um lado aceitar a minha infinita ignorância e por outro acreditar que aprender estará sempre ao meu alcance; refiro-me às quatro etapas do “saber”, as fases do conhecimento.

O primeiro estágio deste processo evolutivo é o da “tábula rasa”, a etapa do “Desconhecimento Inconsciente”. Trata-se de uma caixa de imensurável extensão e profundidade. Neste intervalo está toda a sabedoria que escapa à nossa perceção, porque a ignoramos. Tudo aquilo que não sabemos, mas ignoramos que não sabemos. É um extraordinário estágio, tranquilo, sem culpas, provavelmente o estágio que mais contribui para a nossa felicidade, porque não nos frustramos com a nossa ignorância desde que não tenhamos consciência dela.


“Este doloroso processo pelo qual a Joana passou nos últimos meses, fez-me recordar uma explicação que sempre me permitiu por um lado aceitar a minha infinita ignorância e por outro acreditar que aprender estará sempre ao meu alcance; refiro-me às quatro etapas do “saber”, as fases do conhecimento (…)


Se calhar se utilizarmos um pequeno exemplo, isto dos estágios do conhecimento poderia tornar-se mais elucidativo e principalmente mais divertido.

Então imaginemos, vai ser preciso algum esforço, imaginemos que nunca tínhamos visto uma bicicleta e nem sequer desconfiávamos da sua existência. Conseguimos remeter a bicicleta para uma cave bem recôndita do nosso cérebro?

A bicicleta será neste exercício o nosso “Desconhecimento Inconsciente”; não sabemos da sua existência e por isso nem sequer temos consciência de não sabermos andar de bicicleta.

Próximo degrau; neste estágio do “saber” é-nos dada a conhecer a bicicleta e a sua função. É aqui que saltamos para a segunda etapa do conhecimento denominada de “Desconhecimento Consciente”. Ou seja, sabemos da existência de uma traquitana com duas rodas, com uma engenhoca engrenada a ligar as rodas e os pedais, que servirá para nos deslocarmos entre dois pontos, se conseguirmos dominar a perícia de movimentar os pedais numa cadência precisa, em equilíbrio. Agora sabemos da existência deste invento, mas estamos conscientes de não saber andar em cima deste objecto escaganifobético.

Próximo patamar; arriscamo-nos a desafiar o nosso medo e decidimo-nos a montar estabalhoadamente neste objecto do demónio e depois de uma dezena de tralhos, paulatinamente vamos conseguindo dominar a besta e agora, fruto de uma concentração transcendente, que não pode sequer ser interrompida pelo zumbido de uma mosca, conseguimos, mesmo que ziguezagueando aparentando um elevado grau de ebriedade, cumprir o propósito de nos mantermos em cima do selim, sem tocar com os pés no chão, pelo menos por alguns metros. É aqui que chegamos ao terceiro estágio da sabedoria, o do “Conhecimento Consciente”, ou seja, sabemos andar, mas temos de projetar toda a energia neste exercício para conseguirmos executar este arriscadíssimo número sem nos estatelarmos no chão.

Depois de umas boas semanas a insistir nesta virtuosa capacidade, vamos conseguindo aos poucos mantermo-nos equilibrados em cima da bicicleta com surpreendente naturalidade e passado algum tempo dar-nos-emos conta que aquele objecto outrora ignorado mais parece uma extensão do nosso corpo. Então aqui temos a verdadeira sabedoria, aquela que é executada espontaneamente, este novo exercício é-nos intrínseco. Alcançamos o quarto e último estágio do saber, o “Conhecimento Inconsciente”, aquele conhecimento que não carece de ser lembrado, sabemo-lo e ponto.

Daí que a frase “não tens consciência do teu valor” faz na verdade muito sentido!

Ah, a Joana já está apta a conduzir veículos com motor na via publica e está na fase do “conhecimento consciente”!

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