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Não é a primeira vez que disserto sobre as emoções em política. Face aos últimos acontecimentos, regresso ao tema. Na verdade, não consigo deixar de impressionar-me com a vaga de sentimentos exacerbados que varrem tanto políticos como comentadores. O bombardeamento  a que somos sujeitos com o apelo à nossa parte mais sentimental é enorme — o argumentário chega a ser alucinante -, contudo não é isso que espanta: quem bombardeia parece, também, ceder à emoção. O desnorte é grande, a via é a da empatia que se vai sentindo independentemente do lado que se apoia. Uma empatia que tanto nasce de um certo encantamento mítico pela eficiência guerreira, como pela compaixão e pela observância dos direitos humanos. A racionalidade, se existe em algum sítio, parece arredia da esfera pública.

Não me entendam mal, jamais sugeriria que não nos emocionássemos com aquilo a que assistimos: como Hannah Arendt [1] bem sublinhou, a incapacidade para nos sensibilizarmos é, geralmente, um fenómeno patológico. No entanto, continua a autora, o sentimentalismo é uma perversão do sentimento. Quer dizer, sensibilizar-se deve levar a uma resposta ponderada – sensata – e não, tomada pela alteração produzida pela emoção que induz alteração nos juízos produzidos, como notou esse mestre do equilíbrio: Aristóteles [2].

Muito do comentário produzido até começa por aí, objetivando a necessidade de uma análise mais “seca”, mas que não compagina com o facto de se tratar de pessoas. Até aí tudo bem. Não obstante,  a seguir, lá vem o banho empático da “culpa” do outro que não se apoia, imediatamente envolvido pela toalha da culpa de “todos” e, isso, é o mesmo que dizer que ninguém tem responsabilidade.

A emoção é levada ao rubro num tempo em que a incerteza com o futuro tem crescido. A incerteza aniquila qualquer impulso para um esforço que possa ser penoso, “erradamente considerada satisfação, que se transforma em ódio por aqueles tidos como seus causadores.” A certeza,  que já no século XX que, por exemplo, Orwell[4] e Russel [3] constavam, ser apanágio dos estúpidos, continua nessa mesma senda paradoxal, enquanto os possuidores de inteligência e imaginação se debatem em dúvidas e indecisões: não é espantoso, por isso, que os, chamados, populismos estejam em alta.

Talvez não estejamos tão afastados daquela irracionalidade, constatada por Bertrand Russell [3], no aspeto político da divisão do mundo. Se à cultural dificilmente se pode objetar por a uniformidade ser indesejável, a mesma não deveria originar inimizade no campo político. Então, o desafio não é mais do que o apelo à sensatez, a sensibilizar-nos sem perder o juízo alicerçado naquilo que devem ser princípios humanistas da liberdade, igualdade e fraternidade, no sentido de promover, justamente, essa ideia de que as diferenças culturais não são, não podem, ser geradoras de desconfiança e dissensão política que tem como consequência a guerra com tudo aquilo que a mesma produz:  o oposto de emocional não é o racional – seja lá isso o que for -, mas sensibilizarmo-nos e sensibilizar é um convite à ação de que não nos podemos demitir sob pena de irem diminuindo as oportunidades para uma humanidade viável.

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  1. Arendt, H. (1994) On violence (1969) trad. port. Sobre a violência, Relume Dumará, Rio de Janeiro.
  2. Aristóteles (2018) Retórica, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa.
  3. Russell, B. (1955) A última oportunidade do homem, Guimarães Editores, Lisboa.
  4. Orwell, G. (2020) Nós e a bomba atómica, in Ensaios (eds.Matos, J.M.), Edições 70, Lisboa, pp. 41–46.

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