Invasão do capitólio ou sintoma de doença na Democracia

Volvidos 50 anos após a revolução de 25 de abril, contata-se por estes dias que o povo necessita do respaldo das instituições para fazer prevalecer a sua vontade, isto é, para tornar a democracia em algo concreto. Percebe-se, portanto, não só ao nível, eminentemente, político, como ao nível de organizações de outra índole,  que quando o povo sente segurança na expressão daquilo que é o seu sentir – daquilo que considera mais justo – o faz de forma bastante resoluta. Algo que espanta muitos, ou, se calhar, aqueles que teimam em acreditar em vassalagem de todo o tipo, nessa espécie de reverência atávica a que chamam moderação.

Moderação é algo que não se pode pedir quando estão em causa revindicações justas – quando está em causa o livre exercício da democracia. Reivindicação à séria, consistente e intransigente é o que falta na contemporaneidade. Qualquer assomo, ao contrário de outros tempos, não é anulado à porrada , mas sim, explorando um qualquer interesse do ou dos que reivindicam. A massa que constitui  o povo, facilmente, intui o desplante que isso constitui. Daí a suspeitar das instituições é um passo muito pequeno, algo como um esgotamento, em que o interesse pela vida política perde fulgor e se passa ao modo “coitadinho” – o povo é arrogantemente tratado com condescendência: voltam as reverências mais ou menos oligárquicas, mais ou menos insidiosas, conformadas, sem réstia de democracia.

Ah, mas no dia 25 de abril, aquela marcha pela Av.ª da Liberdade, que coisa linda, que festa extraordinária, que declaração dos princípios de abril, qual sublinhar do princípio da Liberdade. Sim, foi realmente muito bonito, muito impressionante, mas, foi uma festa. De uma mais otimista, pode dizer-se que aquela massa marcou presença e terá dado um sinal de que, sendo necessário, ela está ali: estamos ali. Será? Não há dúvida que se celebrou abril, alguns sem saber o que realmente significa, em que os políticos apareceram de fato mudado – as instituições parlamento e povo demandam trajes diferentes, ou talvez não, quando falamos do essencial. O essencial É, justamente, esse ato de reivindicação, esse ato de exercício pleno da democracia que só pode ser exercido à medida que se vai conquistando poder de escolha.

O poder de escolha tem de ser devolvido ao povo, não pode continuar nas mãos de máquinas partidárias que escolhem em quem votamos: temos de tomar parte, inclusive nesse processo de escolha. Devem ser constituídos mecanismos que permitam uma maior intervenção de todos nós sobre as instituições que constituem os diferentes órgãos  de soberania: se há necessidade de transparência em algum momento, é, precisamente, no da escolha. Só desta maneira é que podemos ter instituições fortes, nas quais. Todos acreditemos, e permitam o exercício cabal da nossa liberdade política.

Sem a capacidade, como diz Raymond Aron,  de podermos dar vida à sociedade cujas leis queremos respeitar e cujas imperfeições temos obrigação de denunciar, de sermos livres porque reivindicamos e de procurar, sozinho se for preciso, a verdade e a salvação,  não se consegue construir uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais livre e mais democrática. Por isso, celebrar abril, tem de ser ir mais além da festa: trata-se de não abdicar da liberdade política em prol de uma igualdade que raramente tem algo que a relacione com aquilo que é a democracia madura e moderna que almejamos.

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