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Por estes dias, observa-se o valor da vida retomar às primeiras páginas, numa amálgama de considerações éticas e morais que, não raras vezes, encontram o seu fundamento numa qualquer ideologia em que a militância se sobrepõe ao real “sentir” do nosso lugar no mundo. Este “sentir”, não pode ser sujeito ao julgamento leviano de quem, nesta sociedade, cada vez mais – histericamente – aponta ao desempenho, ainda é “útil”. Não! Da mesma maneira que existe a necessidade de conhecer a história do lado dos vencidos, por contraposição à dominante, a dos vencedores, há que conhecer o “sentir” do que se torna “inútil”: convoco aqui a obra de Kafka – “A metamorfose”.

Nesta obra, um jovem que sustenta a família, acorda um dia, transformado em inseto: pensa e sente como um humano, mas a sua aparência é repugnante. Não se trata aqui de uma dessas admiráveis personagens de um filme animado, que sob uma qualquer aparência, possui a capacidade de comunicar, portanto, que por essa via se humaniza.

Ao invés, o nosso desafortunado tenta desesperadamente manter a sua humanidade, primeiro com quem lhe dava o emprego, depois com a própria família que, de forma simbiótica, dele dependia. O seu pai, não consegue senão desterrá-lo, varrê-lo para longe dos seus olhos, para onde possa espiar a culpa pela deterioração das condições de vida da família e pelo seu consequente regresso ao trabalho. A mãe, destroçada não consegue olhar o filho, mas sente, de algum modo a sua dor, a sua necessidade. A irmã, bastante mais nova, para a qual, ele almejava a possibilidade de ajuda numa carreira que a preenchesse – a da música- era quem dele tomava mais cuidado. Cuidado este, que foi diminuindo, quase na mesma proporção, com que aumentou a sua autoridade para com a situação: era ela que tinha o estatuto de cuidadora, e só ela – ninguém mais estava autorizado.

A vida de todos tornou-se num tormento, os três tiveram de se adaptar a condições de privação e trabalho piores, vergados pelo jugo das considerações da sociedade. O inseto – afinal já ninguém o considerava humano, a não ser ele próprio – padecia pela impossibilidade de comunicação. Ao mesmo tempo, resignava-se no seu aposento esterqueiro, onde os cuidados básicos iam rareando. Se bem que tomado por essa resignação, ele não conseguia deixar de sentir ternura pelos seus e de os querer fazer “senti-la”: algo que lhe sai caro, e até, num primeiro momento, à família. Já não aguentam mais, aquele ser, que para eles, há muito que não era humano, inútil, um estorvo, constituía um problema para o qual havia que dar solução: não foi necessário procurá-la com afinco. O rapaz- sim, o rapaz-  morreu, de tão definhado se encontrava face à falta de cuidados. A vida mudou novamente, o peso que sufocava a família esfumou-se e a irmã tinha-se tornado mulher…

A todos, estou convencido, esta história faz lembrar alguma memória retraída pela “utilidade” que observamos na vida. O esquecimento da memória do “outro”, este “outro” onde nos deixamos de reconhecer, portanto, que passa a ser um estranho, é uma regra que deve, no mínimo, ser sujeita a crítica reflexiva. Aí estará, com certeza, o lugar no mundo que queremos e não numa qualquer ideologia cujos objetivos não são claros. Um lugar em que o pensar a memória do “outro”, reconhecer o “outro”, porque é de reconhecimento que, no fim, se trata, talvez, não coloque, apenas, o ser humano nesse lugar – o do “outro” – mas sim quaisquer seres: enfim o mundo!

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