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Nos anos 60 do século passado, Hannah Arendt, viu-se na necessidade de escrever um ensaio que dá pelo nome de Verdade e Política, suscitado, segundo a autora, pelas reações à sua obra, bastante conhecida, Eichmann em Jerusalém. Os objetivos eram dois, o primeiro o de refletir sobre a legitimidade de dizer sempre a verdade; o segundo o de perceber a mecânica das mentiras ventiladas sobre o que ela escrevera na tal obra e sobre os factos aí relatados.

A condução do ensaio, o qual não deixa de reconhecer o lugar-comum do tratamento da relação entre a política e a mentira – a boa-fé não faz parte das virtudes políticas -, leva-nos por um caminho de constatações que não cessam de se nos apresentar.

Entre elas, uma bastante recorrente no nosso panorama político é a do mentiroso que, quando já não dispõe do poder necessário para impor as suas mentiras, abandona o caráter evangélico da afirmação e coloca-a no campo da “opinião”, onde existe o necessário balastro constitucional. Esbate-se assim a linha entre a verdade de facto e a opinião, constituindo-se, assim, formas de mentira, que confundem de sobremaneira um público que é cada vez mais politicamente imaturo.

O mentiroso não necessita dos tipos de arranjos que aquele, que deseja afirmar a verdade, se vê compelido a fazer quando entra no campo político e, consequentemente, se identifica com qualquer tipo de interesse particular ou grupo de poder, comprometendo, inexoravelmente, a sua boa-fé, cuja garantia é a imparcialidade, a integridade e a independência. Ele esteve sempre lá, na política, é um ator por natureza, diz aquilo que não é, porque quer que as coisas sejam diferentes do que são, isto é, modela a sua ação à sua conveniência temporal e local. Tira partido, ao fim e ao cabo, da capacidade tão humana de alteração da realidade. De facto, a liberdade que possuímos relativamente às circunstâncias da vida, permite-nos fornecer e/ou aceitar uma imagem alterada das mesmas, o que é subutilizado pela mentira.

Politicamente, a arte do engano de si próprio é de suma importância. Trata-se desse esforço simultâneo do grupo que engana e do grupo enganado em conservar a imagem propagandeada: a não harmonização com essa imagem é expurgada. No fim, tem a faculdade de tornar um problema exterior em questão interior, de tal modo que o conflito entre grupos retroage sobre a cena política. Uma das tragédias, no campo da verdade, é a de que em democracia um engano é impossível sem engano de si próprio.

A questão de fundo, prende-se não com a substituição da verdade pela mentira, nem que verdade possa ser difamada como mentira, mas sim o sentido com que nos orientamos na vida. Há que definir um limite. Mesmo que aceitemos que na esfera política possa existir uma relação difícil com a verdade, não podemos esquecer a grandeza e a dignidade do muito que nessa esfera acontece, portanto, a exigência para com os políticos tem de ser máxima, não podemos adotar uma atitude do tipo “morto-vivo”, ou, ainda pior, ficarmos fascinados com todo aquele que usa de expedientes retóricos à pato-bravo. Talvez seja um facto assente que a mentira é, sob certas circunstâncias, essencial à política, porém o critério de responsabilidade de uso desta é o que distingue um bom político do vulgar mentiroso que apenas aspira singrar pelo pantanal do poder.

Não obstante, tanto a vida em geral, como o viver individual, não se restringe a esta esfera da política, esta é limitada por tudo aquilo que o ser humano pode mudar à vontade. Este domínio, no qual somos livres para transformar e agir, deve respeitar os seus limites, por forma a conservar a integridade e manter as promessas. A nossa ação é vital, da qual, não me canso de propalar, jamais nos devemos demitir. Termino com as palavras da autora que este texto segue: “conceptualmente podemos chamar verdade àquilo que não podemos mudar; metaforicamente, ela é o solo sobre o qual nos mantemos e o céu que se estende por cima de nós.”

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