Catia chumbo 1 1


Numa altura em que estamos obrigados a ficar em casa, alteram-se os nossos hábitos e rotinas e vemo-nos privados de várias coisas que ocupavam o nosso dia a dia. O estado de emergência a que estamos sujeitos por força de uma pandemia, é por si só um fator de stress que pode a curto e médio prazo, alterar o estado de espírito das pessoas e deprimi-las. A psicóloga Cathia Chumbo, em entrevista ao Jornal IMEDIATO, falou desta realidade que o país vive e dos efeitos que isto pode ter na vida das pessoas. Deixou ainda alguns conselhos para a atravessar

Até que ponto este estado de emergência e o confinamento as pessoas em casa altera o seu estado de espírito?
O estado de emergência e o confinamento das pessoas em casa, altera drasticamente a vida de todos aqueles cujas rotinas se desenvolviam fora da área de residência. O simples facto de alguém ser inibido de realizar a sua rotina diária, actividade laboral, convívio social e familiar, saídas para compras e lazer é por si só um factor de stress. Acrescido actualmente do facto de se tratar de um estado de Emergência Nacional e que se assume, também, Internacionalmente. Penso que as pessoas só assumiram a real proporção da situação quando foi declarado o actual Estado de Emergência e consequentemente as medidas de recolhimento e distanciamento social, que “obrigam” a sociedade em geral a confinar-se à sua residência. O facto de não conseguirem assumir o controlo da situação, mas sentirem-se controladas, é por si só uma situação ansiogénica, uma vez que o ser humano sente-se por norma mais seguro internamente quando sente que pode controlar o mundo à sua volta.
No contexto consultório tenho constatado um aumento da sintomatologia ansiosa e depressiva em várias faixas etárias, provocada principalmente pelas medidas implementadas. As pessoas fazem referência à situação de isolamento como principal causa para o seu mau-estar e não o receio de contraírem o vírus, o que de certa forma é preocupante.

Que alterações provoca nas crianças e adultos e na capacidade de gestão das crianças?
As consequências do ponto de vista psicológico e emocional nas crianças dependem de vários factores, é importante sabermos se a família nuclear assume uma postura de tranquilidade/assertividade, medo/alarmismo ou negligência/abstração, conhecimento relativamente à situação e às medidas a utilizar ou inércia e abstração. De uma forma geral e pelo contacto que tenho em consultório com estas faixas etárias, as crianças revelam-se informadas de uma forma adequada à sua idade. Uma grande parte dos comportamentos pró-sociais estão presentes nestas idades, vejo muitas crianças e adolescentes a alertarem os adultos ou seniores para a utilização da máscara e das luvas quando se deslocam ao Hospital. Em crianças mais pequenas é importante um esclarecimento da situação com vocabulário adequado, não devemos expor demasiada informação para que não se torne um factor propulsor de mal-estar.
Relativamente aos adultos, o tipo de resposta a estas situações depende não só da capacidade de resiliência, mas também dos mecanismos de defesa que a pessoa é capaz de utilizar para enfrentar qualquer tipo de situação adversa. No entanto, deverão ser validados e compreendidos os sintomas manifestados, uma vez que se trata de uma situação “incomum” para a nossa sociedade, que se vê privada actualmente não só da  sua liberdade, mas confrontada com alterações do ponto de vista laboral e financeiro que se refletem de forma direta na capacidade de adaptação e aceitação. No caso dos adultos que se encontrem em regime de teletrabalho, é importante mediarem as expectativas relativamente ao trabalho a executar, uma vez que estão expostos a factores distratores que geralmente se encontram controlados (ruído, presença dos filhos, alterações do ponto de vista atencional).

Que consequências pode estar fase ter nas pessoas a curto e médio prazo?
As consequências principais desta situação passam pela irritabilidade, agitação psicomotora e dificuldade de regulação emocional das crianças, que pelo confinamento não conseguem libertar a tensão. E dependendo das idades nem sempre são capazes de expressar verbalmente aquilo que sentem, o que as leva a uma manifestação somática frequente (dores de cabeça, barriga, entre outros).
Nos adultos a sintomatologia ansiosa e depressiva é cada vez mais visível, uma vez que na primeira semana as pessoas assumiram uma postura de “novidade”, pelo facto de ainda não revelarem grande conhecimento acerca da situação, pelo que o confinamento ainda não se refletia de uma forma tão intensa. No entanto, grande parte da população encontra-se em isolamento há aproximadamente três semanas e nem sempre adoptam a melhor postura para se protegerem deste tipo de consequências. Se as pessoas não adoptarem as medidas de prevenção necessárias ao controlo da sintomatologia, os mesmos poderão exacerbar-se, assumindo uma dimensão psicopatológica grave.

Quais as estratégias a seguir?
Para gerirmos a situação actual em qualquer uma das faixas etárias é importante atendermos aos ritmos de sono e alimentação, bem como a actividade física. O simples facto de assumirmos horários semelhantes aos anteriores potencia no nosso organismo uma consonância/equilíbrio com a fase anterior.
A prática de exercício físico é fundamental, para conseguirmos libertar a tensão de toda a situação, deveremos evitar rotinas pautadas pelo sedentarismo. Deveremos acordar, cuidar da nossa higiene e alimentação, aproveitar o tempo livre para calendarizarmos actividades diárias, para que haja a sensação de cumprimento face às tarefas e de realização pessoal, uma vez que a inércia provoca no ser humano a sensação de desmotivação, lentificação e mal-estar geral. Devemos evitar a utilização excessiva de novas tecnologias (telemóvel, tablet, televisão), uma vez que nos conduzem à perda de noção face ao tempo e de excesso de foco ocular, o que contribui para a fadiga ocular, dor de cabeça, entre outros sintomas.
No que respeita às crianças, para além da importância da higiene do sono e da alimentação, é fundamental implementarmos uma calendarização com tarefas semanais a realizar, de forma autónoma e familiar. Pelo que, a criança deverá acordar geralmente à mesma hora, assumindo como prioritárias as tarefas escolares enviadas pelos Professores. Posteriormente, devem realizar tarefas de enriquecimento pessoal (pintura, desenho, puzzles, jogos de tabuleiro, actividades em família como cozinharem juntos) e finalmente de lazer e tempo livre.
As rotinas são fundamentais em todas as idades. No caso das crianças levam-nas a assumir uma postura de segurança, face ao tempo em que se encontram confinadas a um determinado espaço. Sempre que possível e o espaço residencial o permitir, o contacto com o ar livre é importante, pelo que a utilização das varandas, terraços e espaços exteriores à casa deverão ser utilizados, não só para a prática de exercício de forma à criança libertar a tensão que acumula durante o dia, mas principalmente para diminuir a sensação de clausura. Colocar a possibilidade à criança de manter o contacto com os seus colegas de escola, através da utilização de redes sociais, videochamadas, entre outras.
A interação entre as crianças e os adultos numa situação de Pandemia é crucial, uma vez que tendo em conta que a criança se encontra isolada, os contactos diretos são única e exclusivamente efetuados com a família nuclear. O que reforça a necessidade de uma atitude assertiva por parte do adulto, uma vez que o excesso de preocupação e manifestações constantes a este nível serão refletidas na criança, que nem sempre possui os mecanismos de defesa necessários à abstração e racionalização. A ansiedade e irritabilidade do adulto deverão ser alvo de especial atenção, ao serem confrontados com as tarefas escolares das crianças, que geralmente ficam a cargo dos professores e explicadores. Deveremos colocar as dúvidas aos professores, em vez de assumirmos uma postura agressiva e coerciva face à criança. É importante que o mal-estar que possa surgir no período da manhã, ou numa situação especifica não se estenda pelo dia, evitando também os castigos.
É importante explicar a situação da Pandemia à criança de forma cuidadosa, preventiva e não alarmista, para que a mesma adopte um comportamento cuidado, mas não fique demasiado preocupada. Uma vez que dependendo das idades, poderá não possuir os mecanismos necessários à regulação emocional. Manifestando outro tipo de sinais para exteriorizar a sua preocupação, como é o caso do comportamento pautado pelas birras, maior impulsividade, dificuldade em acatar as regras e excesso de agitação.
Os pais deverão assumir que mesmo enquanto adultos possuem dificuldade em acatar/aceitar as regras governamentais que lhes são impostas, como tal as crianças também precisam de algum tempo para gerirem as situações, principalmente se o ambiente em casa estiver tenso. Pelo que, é importante os adultos manterem-se informados por fontes credíveis, como é o caso da DGS (Direção Geral de Saúde), SNS (Sistema Nacional de Saúde) e por entidades como é o caso da OPP (Ordem dos Psicólogos Portugueses), limitando o número de vezes a que se expõe a novos dados (de manhã e à noite), evitando que a criança esteja a ser constantemente alvo desta informação.

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