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A palavra verdade está constantemente a ser veiculada nas nossas narrativas, como que um alerta a exigir atenção, a reclamar sabedoria no despiste do engano. O sentimento de somos sujeitos a uma constante manipulação da perceção da realidade é evidente. Nunca a demagogia e a retórica tiveram tanto palco, porque o acesso aos meios de divulgação foi democratizado e por isso todos temos um pequeno púlpito para propalar a nossa verdade.

Mas sobre esse escrutínio do certo e do errado, dou conta que se verificam duas evidências curiosas, que refletem um desinteresse muito grande pela verdade. O primeiro dos condicionamentos é o efeito bolha, que reduz a influência daquilo que sorvemos a um círculo fechado, que tendencionalmente valida aquilo que pensamos e nos apazigua, por nos fazer sentir do lado certo da força. Outra evidência que prova que sentimos uma estranha atração pelo afastamento daquilo que é autêntico, não é tanto o desinteresse pela verdade em si, mas uma predileção pelo falso, pelo adulterado, pelo engano.

A avidez com que procuramos descargas rápidas de dopamina, leva-nos por atalhos, porque não suportamos a espera e isso resulta em sensações falseadas, impossíveis de concretizar sem injeções de aldrabice. Vários são os exemplos dessas desonestas e mentirosas sensações que corrompem a realidade e matam a verdade.

As redes sociais são o exemplo mais evidente do fascínio pela ilusão, verificada nesta construção de falsa convivência, em que temos uma clara impressão de participarmos de um alargado circulo de interação, mas que espremido, resulta num redutor isolamento; os videojogos amarram-nos a uma sofisticada cadeira ergonómicamente pensada para acomodarmos os músculos e embalados pelo brilho dos pixéis, acreditamos ter a destreza de um ninja, cremos dispor da capacidade física do Hulk, acreditando numa falsa atividade; vivemos obcecados por luxos que nos dão uma alegria postiça, provocando-nos constantes ideias inadequadas de superioridade ou, em sentido contrário, sensações de desproporcionada insuficiência; idolatramos celebridades, ídolos vazios que nos estimulam a desejar futilidades cuja cobiça foi ativada por falsas promessas; uma cada vez maior tendência para uma alimentação baseada em fast-food que brilhantemente replica sabores que nos iludem as papilas gustativas, mas que não passa de comida falsa; bebemos álcool de forma desregulada libertando-nos do marasmo para uma ilusória diversão; sorvemos pequenas chupetas e cigarros que nos validam em estilo e predispõem-nos a um forjado relaxamento; consumimos drogas que nos desligam do corpo em troca de uma felicidade postiça; até a influência da pornografia nos desumaniza provocando-nos ideias erradas sobre a sexualidade levando-nos a desejos de luxúria, que falseiam a sexualidade com propostas  performativas que, no mínimo, aleijam.

Concluo, que a verdade talvez não exista se aferida pela cabeça de qualquer um de nós, em primeiro porque a memória é traiçoeira e também porque as lentes com que percecionamos o mundo têm características irreproduzíveis.

O desafio é romper com a nossa bolha, permitir que ela se contamine com outros olhares e se alguma lucidez nos for atribuída, tentar discernir a verdade da mentira, com sensibilidade.

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