Sandra Bessa é a única mulher Capitão nos destacamentos da Guarda Nacional Republicana na região. Com 36 anos, a militar, natural de Lousada, deu uma entrevista ao IMEDIATO, no âmbito das celebrações
do Dia Internacional da Mulher.
Mãe de um menino – diz a maternidade a tornou melhor profissional – contou sempre com o apoio da família, apesar de ser a primeira a seguir a carreira militar. Garante ainda que nunca sentiu o preconceito
por ser uma mulher a liderar um núcleo maioritariamentecomposto por homens e que o importante é dar o exemplo e respeitar para ser respeitada.
1 – É a única mulher Capitão nesta região que compõe o Tâmega e Sousa. Como é liderar um meio maioritariamente composto por homens?
Sim, neste momento sou a única mulher com funções de Comando na zona do Tâmega e Sousa.
Assumo, com naturalidade, ter que liderar um meio maioritariamente composto por homens. Na minha opinião comandar pelo exemplo é, e sempre será, até experiência contrária, a melhor forma de influenciar e de liderar.
2 – Esta era a profissão que queria “quando fosse grande”, ou houve algum momento na vida que a levou a inclinar-se por este caminho?
Desde criança que sempre gostei de desporto e atividade física e não me imaginava a passar os meus dias numa gestão administrativa permanente, que exige algum dispêndio temporal em gabinete. Durante o percurso escolar estava indecisa em enveredar pela carreira militar ou concorrer ao Ensino Superior para a área de Desporto.
O primeiro ponto de contacto e, por conseguinte, de reflexão, foi no meu 11º ano, onde a minha turma efetuou uma visita à Academia Militar na Amadora. Lá pude verificar que existia formação de oficiais para a Guarda Nacional Republicana, coisa que até então me era desconhecida por completo. Achei curioso, fui mantendo o interesse, maturei a ideia e após terminar o 12º ano decidi enveredar por esta carreira profissional.
3 – Seguiu este caminho sem hesitação ou com alguns receios?
Como referi no ponto anterior estive indecisa entre o Ensino Superior militar e o Ensino Superior que a maioria dos jovens segue. Contudo, durante o concurso à Academia Militar, foi necessário ultrapassar várias provas, numa primeira fase as provas físicas e mais tarde uma prova de aptidão Militar, de sensivelmente um mês. Durante esse mês, que no fundo foi o meu contacto mais real, percebi que me identificava com o serviço militar e que me sentia realizada naquele ambiente.
4 – Teve o total suporte familiar quando enveredou pelo caminho das forças de segurança?
A família sempre apoiou a minha escolha, mas obviamente que no início estavam bastante apreensivos e receosos pelo desconhecimento, pois também fui o primeiro elemento da família a optar por uma carreira militar.
5 – Em que medida o desempenho profissional colide com o seu quotidiano familiar e a sua vida pessoal?
Apesar de socialmente ainda pender muito sobre a mulher as obrigações familiares e domésticas, esse não é o meu entendimento. Tem que existir, em permanência, uma conjugação e gestão da vida familiar com a vida militar e desta forma conseguimos evitar qualquer colisão que possa existir.
6 – Que influência tem este cargo com a decisão familiar de um militar de constituir família e ter filhos?
Em Portugal temos assistido a um aumento de medidas de conciliação entre a vida familiar e profissional e, mais uma vez, a Guarda Nacional Republicana tem estado na linha da frente ao proporcionar aos seus militares, homens e mulheres, melhores condições de trabalho nomeadamente na questão de horários e nas questões relacionadas com a vida familiar.
O que posso dizer é que ser Mãe me tornou melhor Militar e melhor Comandante, porque em ambos os papéis temos de ter bem presente o dever de tutela e a total disponibilidade.
7 – Tendo em conta que são deslocados regularmente, como fica a família nestas mudanças?
Como referi no ponto 5 tem que existir uma conjugação de esforços permanente com a família.
A família tem de ser o nosso maior suporte.
8 – Em algum momento da sua carreira sentiu a sua autoridade questionada pelo facto de ser mulher?
Não! Como já mencionei anteriormente, o meu Comando baseia-se sobretudo em comandar pelo exemplo. Quando os nossos subordinados percebem as nossas ordens, quando eles precisam da nossa ajuda seja por motivos de serviço ou por alguma questão familiar e nós os apoiamos muito dificilmente irão questionar a nossa autoridade.
9 – Já sentiu que teve que se esforçar o dobro que um homem na mesma função pelo facto de ser mulher?
Não sinto que me tenha de esforçar o dobro de um homem. Alias, sinto que diariamente temos de desempenhar bem, o nosso trabalho mostrar que as mulheres também são capazes.
O cargo de Comando é um cargo exigente, desafiante e com responsabilidade pois todos os dias lidamos com as liberdades e garantias dos cidadãos e temos de ser ponderados e assertivos nas decisões que permanentemente tomamos.
10 – O facto de ser mulher trouxe-lhe entraves no caminho que fez para chegar até aqui?
A Guarda Nacional Republicana destaca-se, entre outras instituições, por um papel bastante ativo na promoção da igualdade de género. Os vencimentos, as oportunidades e o desempenho de funções não são influenciados pelo género, não havendo lugar a qualquer tipo de discriminação. Por este motivo é que advogo nunca ter sentido, dentro da instituição, qualquer entrave pelo simples facto de ser mulher.
11 – Considera que ainda existe preconceito quanto ao facto das mulheres ocuparem lugares de destaque, poder ou decisão?
Acho que esse preconceito é cada vez é menor. Repare-se que cada vez há mais mulheres a ocupar cargos de Comando ou chefia.
Diria até que a sociedade vê com bons esse crescendo e, pela minha experiência, costumam até parabenizar o trabalho que é desenvolvido.
O facto de se ver uma mulher fardada já é encarado com bastante naturalidade.
Nunca me senti desrespeitada pelos militares ou pelos civis. Acima de tudo quando respeitamos também somos respeitadas, é tudo uma questão de reciprocidade.
12 – Quantas mulheres existem no destacamento? E quantos homens? É mais fácil trabalhar com elas do que com os outros, ou não sente essa dificuldade?
O Destacamento Territorial de Penafiel é composto por 184 militares, sendo que apenas 15 militares são do sexo feminino. Ou seja, neste momento, somos apenas 8 % do efetivo deste Destacamento. Contudo, este número tem vindo a aumentar, em 2010 quando me apresentei neste Desacatamento para desempenhar funções de adjunta do Comandante de Destacamento, eramos apenas 4 militares femininas.
Não tenho tido problemas em trabalhar com homens ou mulheres, cada militar é um militar, com caraterísticas próprias, com aptidão para determinados serviços e faz parte da nossa ação de Comando tirar o maior proveito de cada um deles em prol da causa pública.
Sinto que as mulheres tiveram um papel preponderante na proximidade ao cidadão, nomeadamente em crimes de Violência Doméstica e ocorrências onde estejam envolvidas crianças ou idosos. Diria que, por norma, a mulher tem uma sensibilidade diferente para esse tipo de ocorrências.
13 – Sente que a sua história, assim como a de outras mulheres que ocupam lugares de relevo, serve de inspiração às mulheres?
Gosto do que faço e aconselho as jovens interessadas que arrisquem a concorrer à Academia Militar. É um cargo exigente e de responsabilidade, onde diariamente somos desafiadas.