Invasão do capitólio ou sintoma de doença na Democracia

«De todas as situações desafortunadas, é desafortunadíssima aquela em que um príncipe ou uma república se vêem reduzidos a uma condição em que não podem aceitar a paz nem conseguem sustentar a guerra. É o que sucede àqueles que, pelas condições da paz, são excessivamente lesados e, por outro lado, desejando fazer a guerra, necessitam de se oferecer como presa a quem os ajudar ou permanecer presa do inimigo.»

Esta citação da obra Discurso sobre a primeira Década de Tito Lívio de Maquiavel, parece uma fotografia do que se passa hoje com a Ucrânia. Uma situação de guerra cujo resultado se está longe de descortinar e que advém, tal como este autor dispõe na continuação do texto, «de maus alvitres e de más decisões» e por impotência clara em determinar o seu posicionamento face aos vários interesses geopolíticos. As  consequências têm sido devastadoras desde logo pela perda de vidas humanas que todos pressentimos – como em qualquer guerra, não existem dados fidedignos – ser bastante elevada: o sofrimento atinge dimensões atrozes. No plano material, os prejuízos são imensos: a visão do património destruído é impressionante. Mas vai mais além, porque o aparato das sanções impostas pelo bloco dito ocidental a uma potência, cuja economia até nem é assim tão relevante, mas que é fornecedora de matérias-primas e que consegue manter a sua atividade com o resto do mundo, portanto, com mais de metade da população mundial, obriga a sacrifícios dos dois lados. Sacrifícios que naqueles momentos em que não é possível desligá-los da guerra, são fundamentados na ideologia; nos momentos em que se torna possível ignorar o efeito da guerra apontam-se outras causas. Acresce que do lado autocrático a operacionalização de possíveis soluções é, pelo menos em tese, mais rápida  do que numa democracia dita liberal, logo os efeitos que sentimos do lado dos que pertencem à comunidade europeia, como se tem visto, não são nada despicientes e a contestação às governações está em crescendo.

Colocar a questão no domínio ideológico e não no do Direito, é um erro no qual a Europa permanece, colocando fora da categoria definida por Rawls (o autor dessa obra fundamental do pensamento político moderno que é Uma Teoria de Justiça) como “Povos decentes” , a maioria – em termos de número de indivíduos – da população mundial. Todavia, é um erro que advém de, entre outros fatores, não existir um exército comum europeu, ficando refém, em questões de defesa, do seu parceiro do outro lado do Atlântico, principal contribuidor na NATO,  com a sua agenda própria, muitas vezes, dissonante da europeia. Acresce que no âmbito da reconfiguração geoestratégica em curso, este facto pode trazer um problema adicional, o da tentativa de reafirmação da Alemanha como potência bélica, para o qual, supostamente, de forma aberta, apenas os Estados Unidos se mostram cientes, ao ancorar a sua ação mais relevante, privilegiando, portanto, fortalecendo, a Polónia em detrimento da potência, por enquanto económica, germânica.

Por agora, resta-nos aguardar que o bom senso impere e que haja a racionalidade suficiente para chegar a uma solução que conduza a algum tipo de paz que termine a carnificina em primeiro lugar e que noutro plano conduza a alguma reposição do bem-estar a que nos fomos habituando: já é hora de sairmos dos regimes de exceção que continuamente nos vão sendo impostos. Para tal há que saber tomar as decisões apropriadas nos momentos adequados e, é nisto, que nos devemos concentrar: em exigir uma ação política digna de verdadeiros líderes, que, infelizmente, todos concordamos, andam desaparecidos, dando lugar a uma espécie de tecnocratas que cada vez mais se agarram a fórmulas e silogismos que “Tweetam”, sem perceber a sua inaplicabilidade às circunstâncias concretas da contemporaneidade.

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