Telmo Nunes

Desde a adolescência que Telmo Nunes tinha o gosto pela escrita e os jornais locais, nomeadamente o Jornal IMEDIATO, foram os primeiros veículos de transmissão das suas ideias e pensamentos. Atualmente a residir em Ponta Delgada, este professor natural de Paços de Ferreira mantém ao longo dos anos o hábito de escrever e colabora atualmente com vários jornais nacionais e internacionais. A par, vai editando os seus livros, o último dos quais em 2023, doze anos depois da sua primeira obra.

Ao Jornal IMEDIATO, Telmo Nunes falou da sua vida e de O Lugar da Trindade e Outras Narrativas, onde revive um lugar da terra que o viu nascer.

 

– O Telmo é natural de Paços de Ferreira e está há vários anos a viver nos Açores. Quando se dá esta mudança? Foi devido a sua profissão de professor?

A mudança para os Açores ocorreu em 2003 e chegou por via da profissão. Vim lecionar em São Miguel, e acabei por ficar colocado em Ponta Delgada, cidade onde ainda resido.

– Ainda antes dos livros, colaborou com a imprensa regional, nomeadamente com o Jornal Imediato. A escrita sempre fez parte da sua vida?

Foi o primeiro periódico onde publiquei com regularidade, andava eu pelos meus anos de adolescência. Atualmente, continuo a escrever para a imprensa escrita, concretamente para a Gazeta de Paços de Ferreira, para o Diário dos Açores, para o Portuguese Times, nos EUA e para o Luso Presse, no Canadá. São quatro publicações que, generosamente, me têm acolhido, com a regularidade que me é possível. Sempre gostei muito de escrever e de partilhar aquilo que vou escrevendo, nessa medida, sempre me fez sentido a colaboração regular com a imprensa escrita, embora confesse que nem sempre é fácil fazê-lo, tendo em conta a temática a que, normalmente, me dedico.

– Tem duas obras editadas. A última agora em 2023 e a anterior há onze anos. Escrever para si é uma coisa que se faz com calma e tempo ou não se proporcionaram novas obras neste intervalo de tempo?

Em nome individual tenho duas obras editadas, uma vez que a, Reflexões de Uma Quase Vida (menção honrosa no “Prémio Literário Gaspar Frutuoso”), não chegou a ver a luz da publicação. A escrita criativa um processo muito moroso, que requer tempo e concentração; é lento, porque tem de maturar e carece de uma outra atenção e sensibilidade. Já não publicava em nome individual desde 2012, mas nunca parei de escrever. Fui acumulando e fui escrevendo com outros propósitos. Felizmente, não senti a ânsia da publicação. Fi-lo quando achei que tinha algo para partilhar. Todavia, ao longo do tempo houve sempre quem me desafiasse, mas nunca senti que fosse o momento certo. No ano passado, participei numa coletânea de contos e houve colegas que se interessaram pela minha escrita, motivando-me e desafiando-me a trazer a público outros trabalhos que, entretanto, leram. Revisitei alguns desses textos, trabalhando-os até desenvolver o que recentemente se apresentou.

– O seu último livro diz que é um livro de memória, com o espaço real no Lugar da Trindade, em Paços de Ferreira. É sinal da sua ligação as raízes?

O lugar da Trindade sendo um espaço real, em Paços de Ferreira é também um lugar ficcional, inspirado no recorte costeiro da zona das Feteiras, Candelária e Ginetes, da ilha de São Miguel. É o nome da última narrativa que escrevi e, coincidentemente, é a que a empresta nome ao livro. Adotei-o como chão de algumas das vivências que quis aqui realçar. Uma coincidência feliz. Neste O Lugar da Trindade e Outras Narrativas procura-se resgatar do esquecimento algumas memórias destes meus vinte anos insulares, assim como outras que marcaram o meu desenvolvimento pessoal e social, ainda em Paços de Ferreira. Nesse sentido, há naturalmente um aproximar às raízes pacenses.

– A sua última obra fala de dramas e problemas sociais que afetam as comunidades. Pretende com os seus livros transmitir alguns ensinamentos e partilhar histórias de vida?

Tendo nascido no início da década de oitenta, pertenço àquela geração marcada pelo flagelo da droga, sendo que, infelizmente, ela surripiou-me amigos e conhecidos, por isso, este é um assunto que me acompanha com regularidade. Todavia, interessa-me também a questão da violência doméstica, do álcool, da emigração, especialmente a ocorrida em meados do século passado, para além das vivências durante a vigência do Estado Novo, a Guerra do Ultramar, enfim, nas dez narrativas que constituem este livro há espaço para muitos dos meus interesses, preocupações e memórias. Estou longe de assumir a veleidade de querer transmitir ensinamentos aos leitores; pretendo, antes de mais, que eles façam per si a sua própria viagem, a partir daquilo que escrevo.

– Ser professor levou-o a ser escritor?

Ajuda, mas não determina. Não me vejo a lecionar da forma que escrevo, nem a escrever da forma que trabalho a produção escrita com os meus alunos. É fundamental conhecer a língua formalmente: os diferentes modos de expressão, os recursos disponíveis, as estratégias narrativas, mas a liberdade criativa não se quer agrilhoada.

– Como se classifica enquanto escritor?

Confesso dificuldade para responder. Amplamente, acredito que à literatura se deve reservar um papel basilar. Gosto daquela que é capaz de retratar uma sociedade, assumindo ao mesmo tempo um compromisso sociopolítico, denunciando injustiças e apontando caminhos alternativos, contribuindo, dessa forma, para o seu desenvolvimento progressivo e harmonioso. Dito assim, talvez me aproximem do realismo ou mesmo do neorrealismo, mas, em boa verdade, não é a catalogação que me move, muito menos as tendências políticas que possam chegar acopladas. Acredito, antes de tudo o resto, numa boa história, assente na verossimilidade de um tempo e de um espaço e servida por personagens fortes e credíveis.

– Que projetos tem na calha?

Eu escrevo porque gosto de contar histórias, gosto de partilhar vivências mesclando-as com a componente ficcional. Creio que esse gosto decorre do gosto pela leitura. Tive a sorte de nascer no seio de uma família onde sempre se leu muito, onde sempre houve muitos livros e onde sempre se escreveu com regularidade. Já iniciei a redação do que poderá ser o próximo conjunto de contos; tenho pronto um outro projeto de natureza substancialmente diferente deste, mas que também me deu especial gozo escrever. A seu tempo verá a luz dos escaparates. Depois, espero poder continuar a fazer o que tenho feito até aqui: participações coletivas, prefácios, adaptações para o ensino e, especialmente, o comentário sobre leituras que vou fazendo.

– É fácil ser-se escritor em Portugal ou a literatura devia ser mais apoiada?

É extremamente difícil ser-se escritor em qualquer parte do mundo! Cingindo-me ao universo da literatura açoriana, sobre o qual me tenho ocupado nos últimos anos, poderia elencar um vasto rol de nomes que, com toda a legitimidade e mérito, se poderiam afirmar como referências do pensamento português da atualidade: têm obra com qualidade reconhecida para tal, mas as oportunidades não surgem. Há sempre um entrave e outro e mais um. No fundo (e embora o paradigma esteja em mutação), o público-leitor não é vasto e, numa sociedade onde ainda se passa fome, os apoios também escasseiam. Há prioridades definidas e a cultura está arredada dos lugares cimeiros.

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