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Sérgio António Lopes Ferraz da Rocha tem 44 anos e foi o primeiro caso positivo de coronavírus em Penafiel, diagnosticado no passado dia 12 de março. O professor e também diretor do Centro Social de Recesinhos, passou por 15 dias de coma devido à doença, teve febre altas e uma infeção hospitalar.
Mas recuperou e regressou a casa no passado dia 1 de abril, onde se encontra em isolamento até amanhã, dia 15.
Ao Jornal IMEDIATO, Sérgio Ferraz contou a sua história, o inferno que viveu e o quanto agradece aos profissionais de saúde que o acompanharam nesta fase e trabalharam pela sua recuperação.

Foi um dos primeiros casos a ser diagnosticado em Penafiel. Quando é que isso aconteceu?
O diagnóstico de que era portador do coronavírus (Covid-19) tive-o no dia 12 de março. Se a pergunta é no sentido de explicar onde fui infetado, há uma certeza: fui dos primeiros portugueses a serem infetados internamente. Penso saber onde foi, mas isso é um mero exercício de especulação no qual não quero entrar. Não seria justo associar negativamente uma qualquer região porque nunca saberei, com certeza, onde fui infetado.  

Como ficou a saber que estava infetado com o novo coronavírus? Pelos sintomas?
Aproveito esta resposta para esclarecer algumas pessoas que se mostraram muito desinformadas sobre o meu caso. Tive os primeiros sintomas de que algo não estava bem, na noite de 1 para 2 de março. Até ser chamado por uma equipa médica do Hospital de S. João, no dia 11 de março, fui três vezes às urgências hospitalares, liguei quatro vezes para a Linha Saúde 24, fui ao Hospital Particular de Alfena e terminei no dia 9 de março nas urgências do Hospital de S. João, com uma carta para internamento, de onde saí para a minha residência às 3:30h, da madrugada do dia seguinte.
Como estávamos numa fase muito precoce do vírus em Portugal, o único critério que era valorizado, para que o teste fosse feito, era ter viajado para um dos cinco países referenciados como perigosos na propagação do vírus.
Ora, eu não tinha viajado para fora do país. Logo, todo o histórico que contei das ocorrências hospitalares, os fármacos que tomei, os constantes picos da febre, a tosse, etc… nada foi valorizado para ser visto como um utente de risco, a quem era necessário fazer o teste. Não obstante esta recusa, comecei a ter cuidado no contato com terceiros pois achava que algo de mau se passava comigo.
A minha sorte, foi uma equipa médica do Hospital de S. João ter pegado no meu caso, mesmo sem me conhecerem, e perceberem que não era normal alguém ter tido todos os cuidados, ter tomado os fármacos que eu tomei e continuar sem melhoras. Ligaram-me no dia 11 de março a informar que uma ambulância se estava a deslocar para a minha residência, para me levarem para o hospital. Posso dizer que esse telefonema poderá ter sido a minha salvação.

Como foi o diagnóstico e como recebeu a notícia?
O diagnóstico concreto de que era portador do Covid-19, tive-o no dia 12 de março, depois de ter realizado o teste (zaragatoa) no dia anterior, após ser internado na Unidade de Doenças Infetocontagiosas do Hospital de S. João (UDIHSJ), no Porto. Uma notícia destas recebe-se com perplexidade, com receios, com a confirmação de que os sintomas indiciavam de que algo não estava bem, mas também com a confiança de que estava no local certo para ser tratado, apesar de não ter noção da situação grave em que me encontrava.

O que aconteceu a seguir?
No dia seguinte (13 de março), quando os médicos perceberam a gravidade da minha situação clínica, passei para os cuidados intensivos da UDIHSJ, onde permaneci durante 14 dias.

Sei que esteve em coma durante duas semanas e que achavam mesmo que não ia resistir?
Sim. O meu caso foi muito complexo por que era portador do Covid-19 e estava também com uma pneumonia grave. Como se tudo isto não fosse já suficiente mau, durante o período de coma, tive subidas da febre, sendo que, uma delas, derivou de uma infeção hospitalar. Felizmente, os médicos optaram por um antibiótico ao qual reagi bem e, apenas com esse fármaco, resolveram a infeção.

Quando saiu do coma, como se sentia?
Foram 14 dias em coma. É muito tempo! A condição de coma (ausência de realidade), leva-nos para uma dimensão completamente diferente. A realidade criada na minha cabeça estava totalmente desfasada da realidade que me tinha acontecido, seja no tempo, seja no espaço, seja em episódios que “supostamente” vivenciei, outros que “supostamente” aconteceram… Mais tarde, de uma forma muito subtil, alguns profissionais que me estavam a tratar, foram dando a entender a gravidade do meu estado de saúde, naquele período, e o facto da minha sobrevivência ter sido colocada em causa várias vezes.

Ainda esteve internado mais quanto tempo?
Mais seis dias: dois nos cuidados intermédios e quatro no internamento.

Como foi tratado durante este período? Em termos pessoais e de saúde?
Só tenho a dizer bem de toda a equipa que comigo trabalhou, onde incluo todos os profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, auxiliares de ação médica e outros. Importa referir que esta pandemia trouxe elevados índices de ansiedade e grandes alterações na forma de trabalhar das equipas médicas. Para termos noção, cada enfermeiro(a) para se equipar antes de entrar no quarto onde eu estava, ou outros similares, demorava entre 20 a 30 minutos, dada a quantidade de componentes que tinha de vestir até ficar devidamente equipado(a). Além disso, ficavam limitados na sua ação, nomeadamente devido aos óculos que utilizam que lhes retiram a visão periférica, além do desconforto que causam. No geral, apanhei excelentes técnicos que são também excelentes pessoas. Isto faz toda a diferença!

9 – Já regressou a casa. Fez os testes e deram negativo?
Sim, regressei no dia 1 de abril. Fiz os dois testes ainda no hospital. O resultado do primeiro soube-o no dia em que tive alta e, nesse mesmo dia, realizei o segundo cujo resultado soube já em casa, no dia 3 de abril. Ambos deram negativo!!!

O que esta experiência mudou a sua vida?
Como já indiciei, estive numa posição perto do “não retorno”. Quando temos esta consciência, forçosamente repensamos muita coisa e quais são as verdadeiras prioridades que queremos dar à nossa vida. Um dos primeiros pensamentos que tive foi de que, afinal, é possível pararmos ou termos outros ritmos de vida. Quem diria, no início de 2020, que o mundo poderia de repente ficar “parado”? Sendo ainda uma fase em que tudo está muito “fresco”, fica a certeza de que não vale a pena perdermos tempo a pensarmos no que vamos fazer daqui a 1, 2 3 anos porque, de repente, tudo muda. Vivamos o dia-a-dia, não como se fosse o último dia, mas como se aquele fosse sempre o dia mais importante.   

Deixou alguma sequela?
Tendo tido alta hospitalar apenas há 5 dias e estando a iniciar um período de recuperação, ainda é cedo para poder constatar essa possibilidade. Espero que não…

Que mensagem gostaria de deixar às pessoas? Às que estão infetadas ou internadas e aos restantes?
Como recentemente alguém dizia, “este vírus é muito democrático: escolhe ricos, pobres, poderosos, grandes líderes, anónimos, jovens, idosos, …”. Com isto reforço a ideia de que estamos a lidar com algo novo, mas muito perigoso. Prevenir será sempre a melhor solução. A ideia de que só acontece aos outros não encaixa nesta pandemia.
A quem está infetado ou internado, uma palavra de esperança e a certeza de que temos um SNS de excelência que tudo fará para os ajudar, assim tenham as condições necessárias para tal.
Cada um tem as suas crenças, mas é muito importante criarem-se boas ondas de energia (individuais ou em grupo) para com cada doente/infetado. Não tenho dúvidas que, no meu caso, e na fase mais crítica, isso foi muito importante. Sabia que algumas pessoas pediam muito pela minha recuperação, mas só tive verdadeira noção de quantos se envolveram na minha causa, depois de aceder, pela primeira vez, aos emails e redes sociais, já na fase de internamento.

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