No dia 25 de julho celebrou-se o Dia do Motorista e o Dia de São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas. Este dia serve para homenagear os profissionais que trabalham no transporte de pessoas e mercadorias, reconhecendo a sua importância e os desafios da profissão.
Para assinalar a efeméride, o Jornal IMEDIATO, conta-lhe a história de dois motoristas internacionais: de António Ferreira, de 57 anos e motorista internacional há 19 e de Tiago Araújo, de 31 anos, que há cinco anos começou a trabalhar na profissão, movido pelo bichinho deixado por um tio que também era motorista internacional.
Ao IMEDIATO, os dois motoristas falam da sua profissão, das suas vantagens e desvantagens e são concordantes em afirmar que o que mais custa é “deixar a família para trás”.
António Ferreira tem 57 anos e vive em Casais, Lousada. Há 19 anos que é motorista internacional, depois de ter trabalhado vários anos no ramo do têxtil, por conta de outrem e de, mais tarde, em 2004, ter montado a sua própria confeção em Lousada, onde tinha 35 trabalhadoras.
Foi a crise no setor têxtil que o obrigou a fechar a fábrica e a mudar de vida. “Foi um amigo meu que me aconselhou a ir para motorista porque se ganhava bem”, referiu.
António Ferreira é motorista há 19 anos
António Ferreira aceitou a sugestão do amigo e foi tirar a carta de pesados. Arranjou o seu primeiro emprego numa empresa onde esteve durante 16 anos (agora trabalha com outro patrão) e fez a sua primeira viagem internacional. “A minha primeira viagem, sem nunca ter saído de Portugal, foi logo a doer, fui para a Irlanda do Norte. Passei de França para Inglaterra de barco, depois em Inglaterra tinha que andar pela esquerda, sem experiência de nada, tive que aprender tudo. No início, com o camião, andava para a frente e mal, mas tive que aprender”, recordou.
Casado com uma mulher natural de Freamunde, em Paços de Ferreira, onde também viveu, António Ferreira tem dois filhos, uma rapariga que tem hoje 30 anos e um rapaz com 20, e confessa que nesta profissão, deixar a família tanto tempo é o mais difícil. “Quase que não vi os meus filhos crescerem”, lamentou o motorista, recordou a dificuldade que sentiu na primeira viagem. “Quando fiz a minha primeira viagem, a minha filha já tinha quase 10 anos. Quando saí de casa ficou tudo a chorar, a mulher e a filha. E eu também saí de casa com o coração apertadinho. Cheguei ao marão ainda a chorar e com vontade de vir para trás, mas lá me convenci que tinha que seguir caminho”, recorda. “Mas agora já estou mentalizado, já são muitos anos e já é mais fácil lidar com isso. Mas quando estou mais dias em casa, ou depois das férias, custa sempre um bocado na hora de sair”, acrescentou.
António faz uma média de três viagens por mês e percorre cerca de 145 mil quilómetros por ano. Já andou por países como Irlanda, Dinamarca, Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália, Inglaterra, França. Faz percursos de nove horas, seguidos de, no mínimo, nove horas de descanso. Quando regressa, descansa três dias, até embarcar em nova viagem.
Agora as coisas são mais fáceis, devido às novas tecnologias, mas António Ferreira recorda os princípios “difíceis”. Nos meus inícios, até aque-d’el-rei berrei. Não conhecia nada, enganava-me nos caminhos. Tinha um gps de carro, mas ele metia-me em cada alhada”, graceja o homem, recordando um episódio vivido. “Uma vez meti-me numa estrada, estava a 500 metros do cliente. Cheguei a 200 metros e tinha uma ponte, pedras e não passava nem para a frente em para trás. Veio a polícia, o presidente da junta, abriram uma entrada de propósito para a mata para eu poder dar a volta, trouxeram um trator de brita para eu não me enterrar, tive lá cinco ou seis horas. Se não fosse assim nunca mais saía dali”.
António só fala português, mas sempre se desenrascou, apesar disso lhe ter valido alguns momentos hilariantes. “Nos inícios, era de papel na mão, de mapa. E eu quando não sabia onde estava, ligava aos meus colegas para saber como chegar aos sítios. Mas não me conseguia explicar, lia as placas à minha maneis, porque não sei línguas e eles não percebiam. Diziam-me sempre que iam encontrar cidades novas quando fizessem aqueles caminhos”, conta.
O motorista gosta daquilo que faz e garante que é uma profissão financeiramente rentável, razão pela qual não se imagina a mudar de vida. “É o que me dá mais dinheiro atualmente e agora até somo mais bem pagos do que eramos quando comecei”, garante.
Apesar de ser um trabalho muito solitário, António Ferreira garante que lhe permite fazer amigos, já que os motoristas procuram concentra-se nas áreas de serviço para descansar. “Tenho muitos amigos motoristas, juntamo-nos para comer, fazemos umas tainadas juntos. é bom, depois de 9 horas de viagem, chegar a um sítio e ter lá gente à espera”, frisou.
Apesar disso, assegura, não é a mesma coisa que estar em casa. “A gente também se diverte com os amigos, mas não é a mesma coisa. Andar na estrada faz-nos perder muitas coisas boas. Os aniversários da mulher e dos filhos passam-se quase todos fora, as festas das terras perdem-se. Perdem-se muitos anos de vida, convívios que fazia com os meus amigos. Quando venho tento compensar, mas nunca é suficiente”, concluiu.
Tiago Araújo mudou de empresa para ter folgas ao fim de semana e poder estar mais tempo com o filho
Também Tiago Araújo decidiu ser motorista internacional. O “bichinho” estava lá desde pequenino, desde que fez uma viagem ao Alentejo com um tio motorista. Aos 31 anos, Tiago Araújo é também, desde 2009, bombeiro nos Bombeiros Voluntários de Penafiel. Foi segurança e, há cinco anos, começou o seu percurso como motorista internacional, “pela estabilidade financeira que não consigo ter com uma profissão cá”.
A profissão já o levou para países como Polónia, República Checa, Eslováquia, Eslovénia, Croácia, Hungria e Dinamarca. Atualmente só faz percursos entre Portugal e França, para poder estar mais perto do filho de seis anos. “Troquei de empresa para poder mais tempo com o meu filho. Agora saio à segunda e regresso à sexta e assim tenho o fim de semana para estar com o meu filho”, explicou, acrescentando, contudo, que continua a dividir esse tempo livre com o trabalho de bombeiro. “É difícil porque temos que deixar a família para trás muito tempo. Temos que conjugar muito bem as coisas, mas tenho conseguido”.
Tiago Araújo faz quatro viagens por mês e percorre cerca de 15 mil quilómetros e, apesar de concordar que se trata de um trabalho muito solitário, confessa que permite fazer amigos. “Cada vez há mais motoristas, faz-se amigos. Já fazemos de propósito para parar onde há motoristas portugueses para poderem estar juntos”, referiu.
Para Tiago, a profissão também é, “por vezes”, assustadora e exige muito cuidado, quer em termos de segurança pessoal, que em termos de acautelamento das cargas. “É uma profissão que nos obriga a muito cuidado, a fechar muito bem o camião para ninguém nos fazer mal. Tem alturas e países em que é um bocado assustador, porque passamos por zonas muito escuras e temos que procurar sair desses sítios e descansar, principalmente, em zonas com mais luz”.
Os roubos também preocupam o motorista, que já foi assaltado três vezes. “Os roubos têm sido uma desgraça, roubam gasóleo, mercadoria. A mim já me aconteceu ficar sem gasóleo três vezes em Barcelona”.
Mas, apesar de tudo, Tiago gosta daquilo que faz e não se vê, por enquanto, a mudar de profissão.