Site icon Imediato – Jornal Regional

O Coração Inquieto na Era Digital

Invasão do capitólio ou sintoma de doença na Democracia

Vivemos um paradoxo: nunca estivemos tão conectados, mas a sensação de solidão parece ser a epidemia silenciosa do nosso tempo. As redes sociais e as aplicações de relacionamento desdobram um catálogo infinito de possibilidades, mas em vez de satisfação, esta abundância gera uma ansiedade peculiar, uma fome de autenticidade.

Para compreender esta inquietação, talvez tenhamos de recuar 1600 anos e ouvir o diagnóstico de um homem que analisou a sua própria alma com uma honestidade brutal: Santo Agostinho.

Na sua obra-prima, as Confissões, Agostinho não escreve no calor da sua juventude errante. Pelo contrário, é um homem maduro que, olhando para trás a partir da perspetiva da sua fé e da sua conversão, tenta compreender o que o movia. Ao descrever o seu passado, ele cunha uma frase de uma atualidade espantosa para descrever o seu estado de espírito de então: ele “amava amar” (amabam amare).

Esta não é a celebração de um romântico. É um diagnóstico. Agostinho percebeu, em retrospetiva, que o seu coração estava tão sedento de um amor verdadeiro e absoluto que, na ausência deste, ele se contentava com a própria emoção de amar. Ele não amava as pessoas ou as coisas por si mesmas, mas sim o sentimento, a busca, o drama do desejo. Era um amor que se consumia a si mesmo, porque não tinha um destino final, um porto seguro.

Não é esta a descrição perfeita da nossa cultura digital do amor?

O scroll infinito nas redes sociais é a encarnação moderna do “amar amar”. Procuramos a validação dos “gostos” e dos comentários, construímos perfis idealizados e apaixonamo-nos pela ideia de sermos desejados, mais do que pela complexidade de uma relação real. O amor torna-se uma performance, um produto a ser exibido, que alimenta o nosso ego, mas deixa a alma faminta.

Esta dinâmica é exacerbada pelo que os sociólogos chamam de “paradoxo da escolha”. Com um leque aparentemente ilimitado de “opções” nos ecrãs, o compromisso torna-se um risco. Porquê investir profundamente em alguém quando pode haver uma pessoa “melhor” a apenas um deslizar de dedo de distância? Esta mentalidade mantém-nos num estado de perpétua busca, tal como o jovem Agostinho, que vagueava entre prazeres e filosofias, sentindo que o seu coração não encontrava repouso em lado nenhum.

A lição intemporal que Agostinho nos oferece não é a de que a busca é errada, mas a de que precisamos de compreender o que realmente procuramos. A sua inquietação só terminou quando ele redirecionou o seu imenso desejo de amar para algo que ele considerava infinito e incondicional: Deus.

Independentemente da crença de cada um, a sua jornada força-nos a questionar a nossa própria busca. O que alimenta a nossa necessidade constante de estímulo afetivo e validação digital? Será que, como o Agostinho pré-conversão, nos apaixonámos pela caça e nos esquecemos do que procuramos caçar?

Talvez a saída para a nossa insatisfação coletiva não esteja numa nova plataforma ou num perfil mais atraente. Talvez esteja em reconhecer, como Agostinho o fez olhando para o seu passado, que “inquieto está o nosso coração” quando se contenta apenas com a emoção de “amar amar”. A sua confissão, vinda de um passado distante, serve como um espelho para o presente: convida-nos a ter a coragem de procurar um amor que não seja apenas para sentir, mas para construir; não apenas para exibir, mas para viver.

Exit mobile version